terça-feira, 5 de abril de 2011

1. Animalidade Humana: o homem veio do macaco?

clip_image002Consta[1] que em um sábado de novembro, em 1877, Charles Darwin (1809-1882) foi à Universidade de Cambridge ser homenageado com um grau de Doutor em Direito. O local estava repleto de pessoas esperando a homenagem. Então, um grupo de estudantes universitários amarrou em uma corda um boneco de macaco, descendo-o da galeria onde estavam. Este episódio foi um entre inúmeros momentos em que a teoria de Darwin foi caricaturada usando primatas.
Talvez você já tenha escutado que o “homem veio do macaco”. Talvez isso tenha lhe incomodado, ou por que você é muito religioso, ou por que você já tenha ido a um zoológico e visto muitos macacos e tenha se perguntado: “ora, se o homem veio do macaco, por que estes macacos não viraram homens?” Acontece que o homem não é descendente do macaco, do mesmo modo que o pato não é descendente da galinha.
“Macaco” é um termo técnico usado em Primatologia para designar uma imensa variedade de primatas, mas também é um termo usado vulgarmente (isto é, por quem não é primatólogo) para se referir a qualquer primata. O uso vulgar da palavra “macaco” para designar todo e qualquer primata é tão inexato quanto chamar um abutre de “passarinho”. O que é um macaco, então?
De acordo com Fleagle[2], os primatas se dividem em dois grupos: (1) Prosimii (lêmures, lóris e társios); (2) Anthropoidea (macacos, grandes primatas e humanos). Um macaco, propriamente falando, possui nariz e palato estreito, molares pontiagudos (bilofodontico), tórax longo e possui cauda. Comparado com os outros membros da subordem Antropoidea, um macaco tem pequeno porte, razão pela qual um grupo de primatas é denominado de “grandes primatas” (“apes” e não “monkeys”). O chimpanzé, o orangotango, o bonobo e o gorila (todos sem cauda), são exemplos de grandes primatas (vou me repetir: “apes” e não “monkeys”). Sobre essa confusão, o primatólogo Frans De Waal escreveu:
Os grandes primatas não tem cauda. Essa característica e o porte avantajado distinguem a família dos humanos e outros grandes primatas, conhecidos como hominóides, dos macacos. Portanto, nunca se deve confundir grandes primatas com macacos (não há melhor modo de insultar um especialista em grandes primatas do que dizer “adoro seus macacos!”).”[3]
Desse modo, entre as três superfamílias (Ceboidea, Cercopithecoidea e Hominoidea), que pertencem a subordem dos Anthropoidea, somente as espécies que são membros das duas primeiras superfamílias podem ser chamados de macacos. São exemplos de macacos: um muriqui, um mico, um capuchim e um colobo. Não ter cauda é uma característica muito importante, ao contrário do que se poderia pensar apressadamente. Uma vez que a cauda é utilizada por muitos primatas para pegar algo e também para se pendurar nas árvores, não tê-la supõe que muitas mudanças adaptativas surgiram na estrutura anatômica do animal em decorrência da perda.
Primatas sem caudas existem desde 18 milhões de anos, de acordo com Fleagle. Ora, isso significa que bem antes de uma criatura ter o mínimo de características humanas os macacos já tinham sido apartados evolutivamente dos ramos que iriam desembocar no gênero Homo. Logo, o homem não veio do macaco, mas, sim, de uma forma preexistente de primata antropóide.
Talvez a última afirmação também deixe perplexo alguns leitores. Seria o homem um tipo de primata modificado? Darwin, cauteloso, fez a seguinte advertência: “Quem quisesse emitir um veredicto sobre se o homem é o descendente modificado de alguma forma preexistente provavelmente teria antes que se certificar se ele sofre mudanças, ainda que ligeiramente, na estrutura física e nas faculdades mentais.” [4]
Por que o naturalista inglês fez tal advertência? Por um motivo muito delicado: a maioria das pessoas prefere acreditar que o homem é uma criação pronta, acabada e imutável. Se for esse o caso, então o homem não é um animal modificado que descendeu de outro, o que equivale a dizer que a teoria de Darwin estava errada. Darwin estava errado? Para dar o veredicto deve-se proceder de acordo com a sugestão do naturalista: devemos procurar pistas de modificações no corpo humano. E, para tal análise, é necessário conhecer os detalhes da Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwin, o que faremos em uma outra publicação. Por fim, é necessário lembrar: pode provocar desconforto, mas os seres humanos não são os mais antigos seres vivos do planeta; o homem também não é a espécie mais abundante; é uma das espécies mais vulneráveis a uma catástrofe ambiental (ao contrário dos artrópodes) e não surgiu na Terra por um passe de mágica.

[1] Desmond, A. & Moore, J. Darwin: a vida de um evolucionista atormentado. São Paulo: Geração, 2001.
[2] Fleagle, J. G. Primate Adaptation and Evolution. San Diego: Elselvier Academic Press, 1999.
[3] De Waal, F. Eu, Primata. São Paulo: Companhia das Letras, 2007; p. 25.
[4] Darwin, C. Origem do Homem. 2002, p. 15.

4 comentários:

Rota Romântica-Valnora disse...

Venho acompanhando as aulas do Prof. Paulo Henrique com prazer e atenção.
Os textos contidos neste Blog poderiam ensinar a muitos Homens (se lessem) a serem menos arrogantes, a entender que somos apenas mais um nesse conjunto vivo e complexo que ocupa, temporariamente, o nosso Planeta.
Valmir Barbosa

REGINA disse...

Concordo plenamente com primo querido, Valmir Barbosa! Amor vc é espetacular! Te amo!

Unknown disse...

Caro Valmir, certa vez li que no Brasil, entre os jovens, coisas como uma calça, um tênis, um DVD, uma festa e até um programa de televisão, são objetos de profundo desejo, mas raramente a sabedoria. Ciente que você é um raro amante do saber, bem como um intelectual atento com o seu mundo, tomo o seu comentário como um elogio que me enche de entusiasmo. Obrigado! Grande abraço, PH.

Unknown disse...

Rê, meu amor. Fico imensamente feliz em tê-la na minha vida. Obrigado! Beijos, PH.